Uma ferocidade gargalhava dentro de mim: eu era o Rei Macaco, cauda zombeteira e clava na pata. Chapinhava no terreiro molhado, avistei os três reis e juízes Minos, Éaco e Radamanto. Reunidos na mesma mise-en-scène em que Henrique Bernardelli põe as Moiras, Cloto, Láquesis e Átropos. Bati a madeira na lama, agitando respingos frente às suas visagens alheias ao tempo. Guinchei blasfemo. Eu demandava o grande tomo que traziam consigo, suas folhas grossas feitas de trapo, sua capa de pergaminho, sua lista de solidões. Tomei-o; percorri febril as páginas e enfim identifiquei o nome de minha avó, Margarida Gomes de Oliveira, ao lado de um número que determinava a medida do seu destino. Cloto, Láquesis, Átropos, Minos, Éaco, Radamanto — que farão, filhos da puta? Cuspi-lhes no chão um tanto de respeito. As pupilas como planetas desabitados me observaram esfregar o papel até que as letras sumissem, até que ele se rasgasse. Arranquei-o e mastiguei a lei com nojo.
Dei-lhes as costas e parti, meus passos produzindo sons aguados no silêncio completo. Interrompido apenas pela voz de qualquer deles atrás de mim:
— E quanto ao teu nome?
Eu lhes devolvi um olhar que continha só um pouco de desalento.
— Não. O meu pode deixar.